Naquela manhã de inverno, eu acordei e ele não estava mais ali, foi então que vi que não tinha sido um pesadelo. Lembrei de ter chorado a madrugada toda antes de dormir. Observei o quarto, mas não encontrei seus olhos intensos me invadindo e descobrindo meus segredos mais obscuros, senti falta daquele cheiro de café fresco pela casa, feito antes mesmo de eu acordar. Não havia mais camisas e sapatos espalhados pelo chão... A noite passada , foi o dia em que ele me deixou e eu ainda continuo sem saber por que. Quando cheguei em casa não havia mais música pelo corredor ou mesmo o barulho da velha guitarra. Não ouvi nenhum som, só encontrei um bilhete sobre a mesinha do quarto, que dizia: NÃO ME PROCURE.
Percebi lágrimas rolarem pelo meu rosto, elas pareciam rasgar minha pele bem devagar, também estava com um nó bem grande na garganta, achei que teria uma síncope. Mesmo sofrendo resolvi respeitar o pedido, contudo sabia que ele deveria está escondido atrás daqueles números para tentar fugir de algo e que me deixara por que era egoísta de mais para me amar. Eu sempre soube que por trás daquela pele de lobo havia um cordeiro covarde.
Passaram-se alguns meses e eu continuava no mesmo lugar, sentada ao lado da velha mesinha, lendo todos os dias o mesmo papel rabiscado que ele deixou, procurando alguma pista ou até mesmo me conformar.
Cansada o bastante daquilo tudo, teve um dia que resolvi levantar e voltar à vida esquecida, já que os pesadelos começavam a sumir.
Desci as escadas, abri a porta e encarei o mundo como se fosse a primeira vez, dava um passo e depois outro, ainda tinha medo de cair. Parecia uma criança com um lugar enorme a desvendar. Naquele dia andei por toda a cidade, até meus pés não suportarem mais. Sentei em um banco cheio de folhas, que caíram da estação anterior.
Minha cabeça formigava, meus olhos doíam, minha alma estava apertada demais dentro do meu pequeno corpo de menina, sentia fome, medo e dor. Desejei que todos aqueles aviões que cobriam o céu fossem estrelas cadentes. Minha mente pedia socorro.
Por um momento voltei a ouvir uma antiga canção já esquecida, parecia que algum ser superior tinha realizado meu pedido de paz. Abri meus olhos e pensei que veria aquele maldito olhar intenso de safira, que tanto sono me tirara, mas não, havia diante de mim um estranho que, no entanto me fazia tão bem somente por estar ali.
Abri um grande sorriso como há muito tempo não fazia. Ele me fez companhia durante a noite fria e depois se ofereceu pra me levar até em casa.
Não sabia se estava ficando louca, mas o desejava desesperadamente e tinha medo que o barulho do meu coração me entregasse. Todavia, antes que eu o fizesse, o estranho me beijou.
Por um instante não ouvia o estrondo do relógio da torre, senti sua boca molhada na minha e sua respiração quente em mim, meu corpo respondia com calafrios quando as pontas dos seus dedos gélidos tocavam minha nuca. Todo meu corpo pedia mais e eu mal lembrava o nome daquele rapaz, sabia que me arriscava muito em querer tanto alguém que nem conhecia, mas se possuí-lo implicaria em perder o juízo, então valeria à pena pagar o preço. Não me importava se teríamos somente aquela noite ou se viveríamos eternamente juntos. Entreguei-me com toda vontade.
Após algumas noites como aquela, minha vida novamente voltou à orbita, tudo em perfeita ordem, com muitas roupas pelo chão, sapatos pela casa e tolhas molhadas sobre a cama.Alguns chamariam de bagunça, Porém era exatamente assim que eu queria que permanecesse.
Um dia acordei mais cedo e resolvi olhar meus e-mails e lá estava um que eu não queria receber. Era dele, do mesmo canalha que me deixou. Lá estava escrito em letras sublinhadas:
‘’ Estou indo te encontrar, te dizer que eu sinto muito.
Você não sabe quão adorável você é...
Tenho que lhe achar, dizer que preciso de você,
E te dizer que eu escolhi você...
...Oh, vamos voltar pro começo ’’
Aquela mensagem sem dúvida foi parar na minha lixeira, no entanto antes respondi:
- Fique com seus cálculos e teorias, se é um cientista tão bom crie outra igual a mim. Não quero explicações!
Possuímos ‘’ cabeças em uma ciência distante’’
Ao acordar meu novo amor me beijou e me sorriu de um jeito protetor, ele sabia que algo havia acontecido, todavia não me perguntou nada, agiu de modo discreto, como fazia em algumas noites quando fingia dormir para me deixar chorar em paz.
Depois daquele dia esqueci as mágoas e voltei a gostar das manhãs de inverno. A vida nunca foi tão boa como agora.